Lá Fora
Rita BorbaDe quando em quando surge uma voz feminina a cantar pop em português. Foi assim desde os anos oitenta até aos anos dez, passando pelos noventa e pelos zero. Poucas vozes femininas pop no meio de cada vez mais vozes femininas no fado. Chegados aos anos vinte, a nossa questão seria naturalmente querer saber quem poderia ser a voz feminina deste tempo que corre veloz demais e ao sabor de vídeos curtos visualizados nos transportes ou à refeição. Essa voz acaba de surgir e tem um nome: Rita Borba.
O seu mui belo disco também tem nomeação: Lá Fora. É assim que os habitantes das ilhas designam quem se aventurou no continente, essa terra "longínqua" a leste do Atlântico. Rita é açoriana, nascida na Ilha Terceira, e possui uma voz ternurentamente frágil mas confiante, um sopro de melodias incríveis em apenas oito canções. Com a preciosa ajuda de dois dos mais talentosos escritores de canções da sua geração, Tomás Branco e Pedro de Tróia, que também produzem, estamos perante um daqueles álbuns adorável à primeira, sem qualquer sensação de prazer culposo.
Acordados do sonho pintado a aguarela, contamos até três, bebemos um chá às cinco e olhamos para o Tejo que chora até ao mar, como as lágrimas com que ficamos no fim da primeira audição de 'Lá Fora'. Será esta a pérola perdida da Atlântida, a banda com a qual Lena d'Água gravou, ou o sonho azul de Né Ladeiras? Não sabemos. Sabemos, porém, que a voz que ouvimos é herdeira destas duas. E, na verdade, também podemos pensar na Mónica Ferraz (ex-Mesa) ou em Márcia, vozes que surgiram na pop portuguesa antes de Rita Borba. Ou, mais recentemente, em Joana Espadinha.
O que nos deixou verdadeiramente entusiasmados foi a doçura destas canções, lapidadas noutro tempo, noutro lugar, noutro espaço, noutra realidade. Uma realidade mais lenta, lânguida e suave, onde ainda existia tempo para dar as mãos antes do primeiro beijo, tempo para primeiros encontros feitos de jantares à luz das velas. Estas oito canções são a banda sonora perfeita para esse encontro com um tempo que talvez até já nem exista mais. E, de repente, surge uma voz doce, cândida, simples e melodiosa, segura na sua delicadeza. A voz feminina dos anos vinte da pop portuguesa acaba de surgir. Deixar de a escutar é um pecado, não queiram viver com essa culpa.